O que você tem por dentro?

- Oh... Eu não vi ele. Não dessa vez. - O homem fala baixinho, deitado encostado na parede em posição fetal e coberto por seu jornal. - Ele surge dos telhados, dos becos escuros, devora as pessoas em um segundo e logo salta de novo pra se esconder.

Ele não pega o cartão, não de cara. O homem leva um tempo em silêncio, como se analisasse a mulher, e então decide esticar a mão e trazer o cartão pra si.

Connor, mudando de postura, se agaicha perto dele e pega em seu ombro. A princípio o homem estremece, como se tivesse medo daquele homem, mas ele ouve atentamente suas palavras e parece se acalmar, ou ao menos voltar ao estado de tensão inicial.

- Ele não é um espírito... Ele é real, tão real quanto eu e você... - Ele diz. - Ou tão irreal quanto nós dois... Ele só é muito inteligente, ataca pessoas solitárias. Naquele dia ele não me viu... Ele não me viu, como ninguém me vê... Mas eu tava lá, eu vi ele. Eu vi tudo... Eu vi o que ele fez com aquela mulher... - Ele fala cada vez mais baixo, e a última parte é quase inaudível. Quase. - Eu não quero mais ver... - E ele fecha os olhos. E dorme.




Pietro caminha tranquilamente pela calçada. A rua é movimentada, as pessoas se esbarram, gritam. Os carros vem e vão com velocidade. Os postes altos deixam a rua comercial iluminada. Várias lojas com letreiros acesos e músicas ambiente animam tudo. O chuvisco que aos poucos para de cair é ignorado pelas várias pessoas ao ar livre. Las Vegas vive, respira à seu próprio modo.

Aquela ruela estreita que ele deixou já há algum tempo estava calma, como sempre parece estar. Já haviam levado o corpo, a área estava perimetrada e dois investigadores observavam a cena. Não haviam mais curiosos, eles se dispersaram provavelmente quando o corpo se foi. Pietro procurou saber sobre as locadoras e agora está se dirigindo à mais próxima, que fica em uma rua principal a poucas quadras dali.

Ele passa por entre panfleteiros e vendedores ambulantes, homens de negócio apressados e mulheres carregadas de compras, pedintes sem pernas ancourados à postes e artistas de rua ocupando os semáforos. Até que seu celular toca. Bem a tempo, porque ele já vê a placa da locadora. Lá dentro deve estar mais calmo pra atender. Pietro entra pela porta de vidro. É uma Blockbuster. Um apito singelo toca anunciando a entrada de mais um consumidor. Lá dentro algumas televisões de tela plana passam um mesmo filme: Onze Homens e Um Segredo.

Ele atende o celular. É Calton, e ele tem informações sobre F. Prinkelton. Aparentemente o homem vivia com a esposa e uma filha. O nome dela é Marietta Esperanza, e ele lhe passa o telefone e endereço.

Naquela mesma locadora, um homem o vigia de longe. Fingindo que escolhe um filme, o policial Montana examina Pietro com o canto do olho. Ele estava lá entre os curiosos, ele também ouviu o grito da mulher. Mas ele não foi direto para o corpo. Apesar de ser um policial, essa não é a sua Divisão. Ele ficou observando.

Ele notou que aquele grupo era estranho, curioso demais. Eles foram os primeiros a bisbilhotar a cena do crime, agiram como se soubessem o que estavam fazendo, e foram embora. Eles se separaram. Esse homem, que aparentemente tem um corvo adestrado, foi para um lado, enquanto os outros foram para outro. Montana o perseguiu à distância. Ele estava lá quando o homem perguntou sobre essa locadora e, conhecendo a região, cortou caminho e chegou primeiro.

Como policial, ele não tem qualquer obrigação para se meter com essa gente. Mas, como um investigador nato, seu instinto lhe diz que há algo grande para descobrir aqui. Seu senso de dever vai além de apenas para com a Divisão de Entorpecentes de LA agora. É algo mais íntimo. Talvez tenha a ver com seu pai. Talvez tenha a ver só com ele...

[Notas Pessoais]

• Vittoria
  
  • -1 Lenda
  
  
• Noah Connor
  
  • -1 Lenda
    
  • Marca da Vigília: Mendigo

Um "milico" qualquer diria que os casos recentes de desaparecimento na cidade teriam a ver com tráfico de órgãos no mercado negro. Rick riu do pensamento, imaginando quem precisaria de um transplante de apêndice, visto que se levaram quase todos órgãos das vítimas. Enxergando através dessa máscara de tolices, conhecia a podridão do Destino, e o modo como ele estaria brincando com ele e com todos essas outras marionetes recheadas de Icor e sangue e tudo isso misturado. Sabia que pelo menos um deles tinha o sangue brilhante. A "maldição do espetacular", como uma vez nomeou em seus pensamentos. Em se tratando de espetáculo, seguiria o astro do futebol, mas ele não cheirava a armação como aquele cara.

Enrique Montana era um investigador da cidade, prendia pequenos distribuidores de drogas baratas e matava os grandes chefões. Não podia resistir, o impulso era mais forte que ele. Provavelmente por isso ascendera profissionalmente tão rápido e provavelmente por isso nunca mais seria promovido. A morte o seguia. A morte "o fazia". Tal pensamento muito lhe agradava. Tornava sua existência... aceitável. Entendia perfeitamente o sugador de humanos. Enrique invejava os humanos. Se deliciava com a beleza do efêmero e o modo como os seres humanos lhe davam com a morte e com o poder. Achava engraçado que os filhos dos deuses se achassem superiores.

"A única coisa em que esses vermes superam os humanos é o ego" pensava, enquanto observava Ocean tagarelando em seu telefone numa tela de 42". Simultaneamente, revezava-se na infeliz comparação e mimetização dos movimentos do homem que seguia. Esperou em seu íntimo não ter que investigar mais 10 homens como aquele, fazendo jus ao filme que se repetia na tela.

Aproximando-se do homem, tentara ouvir um pocuo do que conversava no celular, enquanto fingia ler uma sinopse de "Percy Jackson e sei-la-o-quê" em sua mão.

Alheio a isso, o jovem carregava em seu interior a eterna questão de qual caminho seguir. A questão de saber qual era seu papel nisso tudo, o que Destino queria dele, quem eram aquelas pessoas desaparecidas, quem era aquele grupo de investigadores e por que diabos eles tinham que cair logo em sua jurisdição. E claro as dúvidas: Deixava o circo pegar fogo ou matáva-os enquanto dormiam?
O fato que mais lhe incomodava era que alguem andava matando seus humanos em seu território, e aparentemente não possuía nenhum código de honra ou seletividade.

De súbito, pegou-se fazendo nota mental de não deixar ninguém lhe superar em seu próprio terreno e de pedir um autógrafo do Quarterback da próxima vez que se encontrassem.

Mentira.

Observava o grandão abaixar-se ao lado do homem, ela mesma já alguns passos longe deles. Luke também estava distante e sua expressão de desagrado com a cena dizia a promotora que não concordava com nada. Vittoria, no entanto, manteve uma expressão neutra enquanto aguardava Connor reunir-se com eles. Manteve os braços cruzados sob o casaco de couro marrom e elevou o rosto para o céu, sentindo os pingos de chuva em sua pele. Em becos, vindo do ar. Tinha algum sentido se o monstro fosse grande... Mas poucos o viam... Não se lembrava de nenhuma criatura com a descrição que o homem deu e poderia nem ser assim... O "informante" poderia ter bebido demais e visto seus pesadelos embebidos no alcool. O rastro que havia seguido então era falso... O monstro não havia deixado marcas para ser seguido... Talvez se voltasse ao beco, encontrasse marcas nas paredes que falariam mais que aquele homem.

Quando Connor se juntasse a ela e Luke, Vittoria apontaria o beco que haviam usado para chegar até ali num modo de indicar para que voltassem embora. De certo modo estava frustrada consigo mesma por não ter encontrado muita coisa, mas os corvos de seu irmão também não. Tomara que Pietro tivesse mais informações do que os três haviam conseguido ali. Já há uma boa distância do mendigo sonolento, ela voltava a falar - Nunca li sobre nenhuma criatura assim, que causasse estes estragos em um corpo. - puxava o celular para ler a sms de Pietro e respirou fundo ao terminar. Sentia-se perdida, lidar com criaturas invisíveis não era sua área. E os outros dois pareciam não ter ideia do que fazer também e isso não ajudava em nada. - Investigar as vítimas não creio que nos leve muito longe, uma vez que ele ataca pessoas sozinhas. Muito inteligente... - fazia uma expressão de sarcasmo - Só os burros atacam pessoas em bando, se não querem ser vistos. Hunf.

Muitas das suas palavras pareciam reflexões feitas consigo mesma numa tentativa de ligação de fatos - Mas tem aquela mulher que ele falou... Leram algo sobre ela nos jornais? - A noite tornaria mais dificil andar em segurança naqueles becos, até voltar para o bar. Pelo menos veriam a criatura com seus próprios olhos e saberiam o que seguir.

"Onde você está? Terminamos aqui." Era o que enviava em resposta para Pietro. Acreditava que juntos todos poderiam pensar em uma investida melhor. - Podemos voltar para o beco onde o homem estava morto, arriscar mais pistas... Mas se é de algum modo invisível, acho mais complicado encontrar algo. E vocês? - olhou para os dois, guardando ambas as mãos dentro do bolso da jaqueta e aguardando os dois companheiros falarem o que pensavam. Quem sabe não tinham uma ideia melhor?

Rick Montana seguia agora o homem com uma proximidade maior. Em seu celular, anotava os nomes que o ouvia citar (caso conseguisse ouvir Prinkelton e Esperanza). Devolvera à prateleira o DVD infantil e carregava agora em sua mão um exemplar de "Apocalypto", com Mel Gibson. Rick gostava do anti herói, mas detestava o filme. "Talvez a historia ficasse um pouco melhor nas mãos de Tarantino". pensava. Não eram muitos os filmes originais que lhe falava da cultura de seus antepassados, e o respeito e a qualidade neles era ainda menor. Guardou o filme debaixo do braço e seguiu ao ponto de ficar ao lado do meliante. Pegou dois filmes, "Hellraiser" e "Cerberus - O Guardião do Inferno" e os colocou em suas mãos direita e esquerda respectivamente. Parou ao lado do homem que seguia, e mesmo estando este ao telefone, cutucou-o com o dvd.
Rick possuia cara de jovem rebelde, e sabia disso. De fato, sua aparência semi-inofensiva lhe rendera varias abordagens interessantes ao longo de sua profissão.
Ao olhar do homem, indicaria as duas capas de dvd em suas mãos, à espera de um conselho, e murmuraria "Qual?" para o homem. Não lhe seria necessário diálogo, apenas inidcar o da direita ou da esquerda, enquanto poderia continuar seu diálogo no telefone.

Rick fazia isso para ter sua primeira oportunidade de investigar o homem em sua face frontal, suas vestes, seus objetos, seu sotaque e claro, ouvir claramente sua conversa.

Olhou o jogador de esguelha durante as primeiras palavras do mesmo e franziu o cenho. Havia decidido ficar todo comunicativo agora? O seguia, mas acabava por andar um pouco a frente do rapaz... Aparentemente nao gostava de ficar para trás. - Sim, era ele.

Respondeu suspirando, voltando a face para a frente - O conheço desde que nasci... Senão antes. - depois de tudo aquilo, realmente tinha se tornado uma pessoa espiritualista. Acreditava em vidas passadas, ligações e... vida no espaço? O pensamento a fez sorrir - Sei quem é, só não sabia quem é seu pai. Isso explica todo seu exibicionismo. - Ele poderia acreditar que o sorriso que havia se desenhado em seus lábios era por aquelas palavras que ela havia dito - Sou Vittoria De'Angellis. E Pietro é meu irmão.

Vittoria escreveu:Posso acreditar que ainda não saiu da adolescência, então.

" Tá, agora chega dessa palhaçada de ficar dando indireta. Hora do Thor" Não adiantava ele tentar ser amigável com ela, tudo que sempre ganhava era mais e mais ironias, e agora ele chegava quase no limite. Dane-se se ela quer ir na frente, dane-se se ela é esse tipinho metida que só sabe humilhar quem 'tá perto. A esse ponto Connor da um soco violento em uma das caçambas de lixo, aquelas de ferro bruto, a ponto de deixar uma marca beem bonita do punho dele, um autografo.

-Tá, agora chega dessas suas palhaçadinhas beleza? Até agora eu tava tentando ser o cara legal pra quebrar o gelo, mas já percebi que não adianta nada. Você deve ser aquele tipo de mulher que chega em casa, esquenta a comida congelada, e passa a noite com seu gato, cachorro ou caralho qualquer .... uma risadinha de desdem sem meio que sem querer, talvez por ter tocado a ferida dela, quem sabe? .... Lembra aquele esteriótipo de colegial dos Jogadores e os Nerds? Me diz ai, quantas vezes as garotas te prenderam no banheiro?

Parou de andar ao ouvir o som de metal ser amassado de modo violento e virou-se devagar, girando-se sobre os calcanhares da bota para ver um irritado Connor agindo... e desabando palavras em cima dela. Única expressão que teve foi o cenho franzido em estranheza aquele comportamento... Mesmo após dizer que estava brincando. Só podia pensar em esteróides e seus efeitos colaterais. - Deve ser o máximo ser o gostosão do futebol. Todas as garotas abrem as pernas pra você só num piscar de olhos... - sorriu de canto e deu uma piscadinha para ele, voltando a caminhar. - Desculpe se não me encanto com sua fama ou fortuna ou seu... charme explosivo.

Deu de ombros enquanto andava, já há alguns passos distante do rapaz. Desnecessárias as palavras dele, pois na realidade em que ele viveu poderiam ser verdade... Imaginava se ele havia sofrido tais coisas antes de se tornar esportista. Explicaria essa irritação toda com brincadeiras...Quando ele mesmo as fazia talvez de modo mais cruel, ao rir do mero palavreado de um mendigo.

Não dá pra saber de qual mulher o mendigo estava falando. Desde o começo dos casos estranhos em LA, semana passada, já devem ter havido uma dúzia de casos, talvez mais. Todos em lugares completamente aleatórios, por vezes bem distantes entre si. Todas as vítimas sem qualquer relação óbvia entre elas.

No mais, Las Vegas é uma cidade muito grande... Sabe lá quantas pessoas andam sozinhas pelas ruas por noite. Talvez o plano de servir de isca dê certo, mas quanto tempo pode levar? Quais seriam as chances de funcionar logo na primeira noite? Bom, conhecendo as manhas do Destino, talvez a matemática não seja tão confiável nesse caso...

Sem notar, Colt foi marcado pelo jogador. É claro que ele não se deixou tocar tão facilmente, ele não faz o tipo carinhoso. Mas não dá pra se esquivar muito tempo de um toque casual. Tudo o que Connor precisava era de uma simples relada, um esbarrão.

Há um desentendimento. Duas personalidades muito diferentes, dois mundos distintos se atritam no beco de Vegas. Dormindo a um canto, o mendigo nem se move depois do estrondo do metal sendo amassado. Quais seriam os pensamentos de Colt diante disso?



Quem atende o telefone é a própria Esperanza. Apesar do nome, ela não apresenta sotaque latino. Pela foto da carteira, aparência também não.

- Sim, sou eu. - Ela responde. - Oh, o Johnnatas? Ele não chegou ainda, mas deve aparecer a qualquer momento. Não quer ligar mais tarde?

Sem imaginar, Pietro está sendo analisado pelo que parece ser um rapaz inofensivo. Estranhamente sociável, é verdade, mas inofensivo.

[Notas Pessoais]

• Vittoria
  
  • -1 Lenda
  
  
• Noah Connor
  
  • -2 Lenda
    
  • Marca da Vigília: Mendigo; Luke Colt

[OFF]
Vocês estão livres pra interagir, como já devem ter notado. Fiquem a vontade, posto pra vocês assim que tomarem algum curso de ação que precise de mim.

Henrique tomara nota mental de todos os detalhes do homem, idade, roupas, tom e voz e o principal: o olhar. Dizem por aí que os olhos são a janela da alma e era por lá que Rick entrava nas pessoas. Saberia diferenciar um olhar tranquilo de um olhar tedioso, um olhar de vítima para um olhar de culpado. Havia algo de altivo no olhar do homem que investigara a cena do assassinato. Do tipode pessoa que parecia saber o que estava fazendo. Rick concluiu que lhe dava com um detetive, algum cargo parecido com o seu, mas não entendia porquê tantos foram chamados e porquê o zagueiro famoso estava envolvido com estes homens. Resolveu cumprir o protocolo, afinal regras são regras. Foi até o banheiro do estabelecimento e fez umas ligações para a central. Identificou-se, pediu para falar com a bem-humorada secretária do departamento de homicidios:

-Srta Hayes, boa noite. Aqui é Henrique Montana, da narcóticos. Diga-me, solicitaram alguma equipe para auxiliar nos casos de roubo de corpos? Federais talvez? Existe uma equipe comprometendo algumas cenas e atrapalhando minhas investigações. Pesquise isso para mim por favor, e te levo para jantar na sexta. Ah, claro, mais uma coisa, preciso de uma cópia completa do dossiê daquele zagueirão, do time campeão no último campeonato. É, o loirão. Não entendo muito de futebol, sempre preferi o rugby, você sabe. Sexta então, ok, mas quero os dados na minha mesa ainda está noite.

Agindo como bom americano, desligou sem se despedir. Aquilo o incomodava profundamente, visto que era mexicano, mas parece que as mulheres gostavam de ser pisadas naquele país. Credo. Enquanto a negona com cara de Salma Hayek atendia seu favor, Rick se deu conta que só havia um modo de descobrir mais sobre o homem que seguia. Trancou-se num box do banheiro e retirou de seu sobretudo uma pequena adaga, com cabo de madeira. Tanto metal quanto madeira estavam cobertos de entalhes, figuras semelhantes a hieroglifos, um pouco mais macabros porém. Rick abriu sua camisa, para não manchá-la como fez com as outras, revelando um torax magrelo, como de quem não comia a dias. Fez a nota mental de ingressas numa academia em seus horarios vagos, lembrando-se em seguir que não possuía tais horários.

Desenhou com sangue uma linha em sua mão, deixando que o sangue escorresse para dentro do sanitário. Orou numa língua antiga e cheia de consoantes, e ofereceu a dor e a dádiva ao maluco do seu pai. Ergueu a adaga acima da cabeça e a fincou em seu corpo, com um gemido mudo. Atingira algum lugar acima do estômago. Pela dor e pela dificuldade em respirar, atingira parte do diafragma também. Aquilo doía... muito. E quanto mais dor, mais maravilhoso parecia ser. Sentiu os dedos gélidos em seu ombro, e ao breve toque seu corpo parecia entrar em êxtase. Era um torpor bom, uma dor gritante, que lhe rasgava a alma e derretia as entranhas.

Viu seu corpo jogado por sobre o sanitário, dobrado sobre si. A posição fora boa, as pernas não ficaram jogadas, o que lhe daria algum tempo. Enquanto seu belo magrelo corpo fingia ali um porre alcólico, no banheiro trancado, o filho do deus antigo caminhava agora nas pelo caminho que levava às terras de seu pai. A bem da verdade, nunca chegara até lá, mas sabia que um dia sentiria tal prazer. Encontrava-se em um meio plano, ao qual algumas religiões chamavam "purgatório", "umbra", "tierra de las almas que mueren" ou simplesmente "mundo dos espíritos". Caminhou pela porta do banheiro a fora, atravessando-a. Ao chegar na área comercial da locadora via agora uma cena parecida com a que em que se encontrava cinco minutos atrás. Algumas pessoas comuns agaravam objetos, filmes, conversavam, falavam ao telefone. Umas tinham em si uma aura de pureza, como um recem nascido. "Coisa rara" pensou consigo, em se tratando de Vegas. Outras possuíam manchas em sua alma, outras fediam a podridão, ja outras se pareciam em muito com as imagens de seu pai. Eram a cara da morte. Homens mortos caminhavam pelas ruas da cidade pelo simples fato que ningué lhes avisou que já era hora de partir. Era o caso de Silvio Santos e até do Papa. Mas esse ainda não era o trabalho de Montana. Entendia que a morte andava ocupada recentemente.

Erguendo-se daquilo que chamava chão, no recinto que quando vivo chamava "comércio", Rick pôde observar todas as almas do lugar. Via a real face de algumas pessoas, outras criaturas era capaz de identificar. Haviam alí amaldiçoados, havia alí seres tocado pelos planos celestiais e havia alí bastardos divinos. Sentia o cheiro de cada um deles. Quase podia tocar suas almas. Mas ainda não era capaz de identificá-los. Nessa hora precisava de Grim ali, mas não era permitido entrar com animais nessas lojas. Grim identificaria aquilo que Rick ainda não era capaz de ver. Recebera suas dádivas a muitos anos, mas a cada dia descubria mais de sua simbiose.

Se aproximou de onde estava, do homem ao telefone e ouviu. Ficara ali ouvindo toda sua conversa e observando sua alma. Rick já sabia mais sobre ele que sua médica.